sábado, 29 de outubro de 2011

"Não Me Abandone Jamais" discute com bela estética e atuações impecáveis a descartabilidade da vida humana.


NÃO ME ABANDONE JAMAIS – de Mark Romanek.
Ao me deparar com um filme com o título “Não me Abandone Jamais”, com a ilustração do cartaz contendo uma linda foto da Keira Knightley e um close em um casal apaixonado (Carey Mulligan e Andrew Garfield) imaginei logo que se tratava de uma comédia romântica bem ao estilo Jennifer Aniston e Meg Ryan. Veio à minha mente a imagem de um grupo de adolescentes e sua busca pela maturidade sentimental rumo à vida adulta, tudo isso embalado em pensamentos e diálogos sutis e irônicos com notória inteligência, ou seja: a fórmula utilizada atualmente em qualquer comédia romântica. Não fiz o menor esforço para assistir à obra nos cinemas. Eu jamais poderia imaginar a amarga saga que iria vivenciar.
 
Ao iniciar a reprodução do filme em DVD uma cena seca, pesada, lenta, implacável já introduz à chocante abordagem que iria me bombardear. Não irei relatar qualquer cena do filme. Farei apenas breves referências de forma a não estragar a experiência daqueles que quiserem (e tiverem a coragem para) assistir ao filme.
O título do filme engana, e muito. Faz referência à frase da música dos Paralamas do Sucesso – "Meu Erro". Creio que o verdadeiro erro foi do tradutor ao adaptar “Nunca me deixe partir” (título original, pesado e bem escolhido) para o verso da alegre, dançante e festiva canção de Herbert Vianna.
Não há nada de festivo e alegre no filme. A “dança” que os personagens desenvolvem se dá em longas cenas, contemplativas, repletas de pausas onde o excelente trio central de atores desenvolve com extrema competência as reflexões, dúvidas e profundas dores diante do inevitável. A Câmara desliza dando espaço ao espectador para viver, de forma contemplativa e angustiante o universo daquelas pessoas estigmatizadas rumo ao terrível destino.
Como falei não irei relatar, apenas referenciar os grandes momentos na atuação do elenco e na parte técnica. A tocante cena que se passa em uma praia com a belíssima fotografia do horizonte e do cenário. A dura e pesada cena em que Carey Mulligan e Keira Knightley (ambas em notável interpretação) caminham juntas, lentamente por um corredor após um reencontro. E a brutal, e destruidora cena que conclui a abertura – não acredito que um ser humano possa ficar indiferente ao olhar do casal antes do terrível desfecho.
Merece destaque a primeira parte do filme, que engana e ilude ao sermos transportados ao passado dos personagens, imaginando uma infância comum, inocente e bela. A sutileza na interpretação dos astros mirins (Izzy Meikle-Small, Ella Purnell e Charlie Rowe) é perfeita. Olhares, pausas, dores contidas, a beleza e a dor do primeiro amor...É magnífica a primeira parte do filme e, seu elenco, imensamente responsável por tal qualidade cênica.
O diretor Mark Romanek, conhecido por dirigir clipes musicais de bandas como R.E.M. e Red Hot Chili Peppers, já demonstrou seu talento para retratar a alma humana em “Retratos de uma Obsessão” excelente filme protagonizado por Robin Williams.

Aqui, Romanek faz questão de conduzir sua obra com lentidão, espaços vazios, olhares. Não tem pressa em dissecar a terrível realidade que assola os personagens. Desenvolve cada emoção para que o espectador perceba a alma humana que habita em tais corpos. Cria uma empatia inigualável nos fazendo sofrer junto com eles como se muito próximos de cada um de nós eles fossem.
Baseado na obra do escritor japonês Kazuo Ishiguro “Não me abandone jamais” discute a fundo valores éticos, a impotência diante de certas situações, o poder do capital, o preço que a sociedade está disposta a pagar pela longevidade e várias outras coisas que a mídia veicula todos os dias, mas, que, diante da nossa distância com tais situações nos tornamos mais apáticos. O filme nos aproxima destas questões teóricas nos colocando a prática diante dos olhos e do coração.
Fiquei em estado de choque vários minutos após o filme (tanto que só escrevi este texto no dia seguinte). Não sei se terei coragem de rever esta experiência. O filme segue a intensidade de “peso” de um “Johnny vai à Guerra” ou “O Franco-Atirador” (ressalvados os estilos de cada uma dessas obras). Obriga-nos a questionar o que fazemos contra tudo e contra todos. O quanto nós nos aproveitamos da natureza, das plantas, dos animais criando-os apenas para nos servir. Questiona a importância do problema do outro ao confrontá-lo com nossas próprias necessidades e o quanto estamos dispostos a abrir mão delas. Conforme a vida passa a inquietação dos personagens ressoa em todos nós. O ser humano é frágil, indefeso, sozinho e absolutamente transitório, por isso as perdas nos abatem tanto. E “Não me Abandone Jamais” nos coloca próximos desta realidade, dura, pesada e provavelmente real, agora ou em um futuro próximo, e, por isso, tão forte. Nota 10.0.

               

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